Enquanto as Bolsas norte-americanas batem recordes de performance, amplamente amparadas pelas empresas de tecnologia, a China caminhou na direção oposta, com várias de suas Big Techs perdendo dezenas de bilhões de dólares em valor de mercado nos últimos 12 meses. E por que isso? Basicamente pela intervenção estatal na economia chinesa, com o Governo de Pequim interferindo nas regras de mercado, regulamentando setores diversos e limitando o poder de fogo de vários dos conglomerados chineses. Isto gerou incertezas, afugentando investidores estrangeiros, o que levou à venda em massa destas ações.
Não é difícil entender o porquê da intervenção do Governo para limitar o poder e influência dos grandes grupos empresariais privados na China, afinal, trata-se de um Governo que controla com pulso firme o andar da economia e os costumes sociais da sua população. Poder em demasia nas mãos de grupos privados, ainda que alinhados com agentes do Governo, foge do script de um governo centralizador.
Da mesma forma, apesar desta intervenção, arriscaríamos dizer que não há por parte do Partido Comunista Chinês a intenção de “aleijar” seriamente seus grandes grupos domésticos, uma vez que são estes os “cavalos” chineses na briga geopolítica com as gigantes do mundo ocidental. Se os EUA têm Amazon, Google, Facebook e Apple, a China tem Alibaba, Baidu, Tencent e Xiaomi. Ou seja, enxergamos a nítida intenção de limitar a liberdade de expansão desenfreada de grupos privados, ajustando o ambiente competitivo para que outros players (públicos ou privados) também possam crescer e se fortalecer (sempre sob a supervisão atenta do Governo), mas sem ameaçar seriamente a saúde colossal destas empresas. Em outras palavras, tais conglomerados permanecem impassíveis como os “campeões nacionais”, apenas ligeiramente menos gigantes. E usando Alibaba como exemplo, a empresa foi multada em USD 2,8 bilhões por práticas anticompetitivas e forçada a se desfazer dos seus negócios de mídia e entretenimento. Por mais que o montante de USD 2,8 bi seja cavalar isoladamente, o impacto é administrável quando se tem USD 70 bi no caixa, e outras dezenas de bilhões sendo geradas anualmente. Idem os negócios de mídia e entretenimento do grupo – que embora com enorme potencial - mal respondiam por 5% do seu faturamento consolidado. Ou seja, assumindo que os ajustes no caso de Alibaba estejam finalizados (ou perto disso), o gigante apanhou, mas continua de pé e – justo dizer – praticamente intacto.
Aqui vale também um adendo que o AliPay (sistema de transferência e pagamentos on-line) e que pertence ao Ant Financial não tem seus resultados consolidados pelo Alibaba, embora ambos tenham o mesmo controlador (no caso, Jack Ma). O IPO da Ant Financial foi suspenso em 2020 porque o Governo também interveio fortemente no segmento de fintechs em prol dos bancos estatais, reduzindo bastante o novo potencial de valuation da Ant Financial e das fintechs. Aliás, importante dizer que a percepção de um maior risco pela interferência do Governo traz para baixo o valuation justo de todas as empresas chinesas. Se há 1 ano Alibaba negociava a $300 por ação (e hoje negocia a $170), dificilmente o mercado voltará a pagar $300 novamente por Alibaba, uma vez que o risco China subiu, consequentemente aumentando a taxa de desconto utilizada para avaliar as empresas.
Isso não muda, porém, a enorme admiração que temos pelas Big Techs chinesas, empresas de vanguarda, disruptivas, criativas, inovadoras, e que vem transformando de maneira extraordinária a vida social na China. Da mesma forma que o Mercado Livre inseriu milhares de pequenos comerciantes na sua plataforma de vendas aqui no Brasil, dando-lhes a oportunidade de ter renda e dignidade, as plataformas do Alibaba (principalmente o Taobao) tiveram este mesmo papel em escala infinitamente maior na China, onde a desigualdade social é ainda mais gritante numa população de 1.3 bilhão de pessoas. E o que é ainda mais relevante: a economia chinesa continua crescendo de maneira saudável, apesar da desaceleração do crescimento frente aos níveis observados nas últimas duas décadas. Hoje a China tem uma preocupação ambiental importante, e isso tem feito com que seu crescimento seja limitado por medidas restritivas na produção de energia, numa ação de reduzir o impacto ambiental, o que deve acarretar numa menor produção industrial. Ainda assim, as projeções são bastante encorajadoras. De acordo com o embaixador chinês no Brasil, Sr. Yang Wanming, a classe média na China deve dobrar de tamanho ao longo da próxima década, de tal forma que 800 milhões de habitantes estejam inseridos nesta classe média. Da mesma forma, o PIB per capita da China está em USD 10 mil e deve triplicar até 2035.
Neste contexto, vemos Alibaba extremamente bem posicionada para desfrutar desta onda maior de consumo no mercado chinês, através das suas operações amplamente dominantes em e-commerce, soluções corporativas na nuvem, e suas recentes apostas em lojas físicas oferecendo os chamados “Fast-moving consumer goods (FMCG)”.
No trilionário mercado do e-commerce global, estima-se que a China responde por 57% do bolo, sendo que Alibaba (através dos seus marketplaces Taobao e Tmall) detém 50% de market share na China.
No segmento de serviços corporativos na nuvem (Cloud Computing), o AliCloud é o maior player na China (com 40% do mercado), e 4º maior player global, atrás apenas de AWS, Azure (Microsoft) e Google.
Nossa análise nos vários critérios do modelo TFMP (Tecnologia, Mercado, Finanças e Pessoas) suporta uma visão bastante construtiva para Alibaba. E fazendo um cross-check com a análise fundamentalista (com base nos níveis atuais de preço e usando a média de estimativa dos analistas do sell-side), vemos Alibaba negociando a um múltiplo de 16x P/E 2022, comparado a um múltiplo de 54x para a Amazon, e 22x para a média do índice S&P 500. Ainda que por tudo exposto acima, um desconto para Amazon seja justificado, difícil aceitar tamanha discrepância. Pelo potencial de crescimento que Alibaba deve apresentar nos próximos anos, e com uma maior prosperidade econômica na China e sudeste asiático, acreditamos que Alibaba consiga contribuir com geração de alfa na carteira do Newton Tech Fund, sempre numa estratégia de médio-longo prazo.
F=ma
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