A pandemia trouxe profundas mudanças no comportamento dos consumidores, e isto fica claro pelos números de 2020, quando – globalmente - o volume de vendas on-line cresceu 28% sobre 2019, ao passo que as vendas consolidadas no varejo caíram 5,7% no mesmo período. Tal tendência é facilmente explicada pelo lockdown, com as pessoas trancafiadas em casa e sendo forçadas a consumir através do e-commerce. Mas mesmo com a gradual reabertura das economias, acreditamos que a migração de compras do modelo tradicional do varejo físico para canais digitais seja um movimento irreversível e deve continuar crescendo por vários motivos:
Covid-19 e suas variantes – por mais que o ritmo de vacinação esteja bom em vários países ao redor do globo, há atraso em muitos outros, agravado com a preocupação de novas variantes do vírus (como a Delta). Portanto, o isolamento social não vai desaparecer de imediato, estimulando compras on-line;
Conveniência – a facilidade de comprar qualquer coisa a qualquer hora, com rapidez de entrega e segurança, no conforto do lar ou com a flexibilidade de devices móveis é um apelo fortíssimo sempre. São os novos padrões de comportamento do consumidor, amplamente amparados por uma experiência fácil, segura e prazerosa no processo de compra on-line
Universalização do Acesso à internet – no final de 2019, já eram mais de 3,2 bilhões de usuários de smartphones no mundo (500 milhões a mais que 2017), pelos dados da ITU (International Telecommunication Union). De maneira consolidada, a base de usuários acessando a internet no mundo (por intermédio de PCs, notebooks ou smartphones) evoluiu para quase 4,4 bilhões de pessoas no fim de 2019, saltando de 2,85 bilhões em 2014. Isso já é cerca de 60% da população mundial! E não vai parar por aí! Um bom exemplo é o Projeto Kuiper (desenvolvido pela Amazon), que levará conexão de banda larga via satélite (via tecnologia Low Orbital Earth) a custos acessíveis para localidades remotas do planeta. E a Amazon certamente fará entregas por lá...
Preços e promoções atrativas - a internet costuma ser imbatível nas ofertas de preços devido a menores custos nas operações. Além disso, a internet tem a incomparável vantagem de ter um catálogo infindável na “prateleira” virtual, que não sofre limitações de espaço (e foi essa a chave do sucesso da Amazon no começo da sua tão vitoriosa jornada).
O reaquecimento das economias alimenta uma expectativa positiva de aumento no consumo, e projeções de vendas no varejo são sempre um termômetro interessante sobre o quanto as empresas podem almejar vender. Pelos cálculos da consultoria eMarketer, feitos em janeiro de 2021, o total de vendas no varejo mundial atingiu cerca de USD 23,8 trilhões em 2020, sugerindo uma queda de 5,7% frente a 2019, muito impactada pela desaceleração econômica durante a pandemia. Com a expectativa de uma gradual recuperação, este montante deve saltar para USD 29,4 trilhões em 2024, já crescendo 7,2% em 2021. Estima-se que cerca de 18% (ou USD 4,28 trilhões) do total de vendas em 2020 aconteceram através de compras on-line (+28% frente ao volume de 2019, como mencionado anteriormente), reflexo dos investimentos em digitalização de vendas ao longo da pandemia e – principalmente – das mudanças de hábito dos consumidores. E assim, o e-commerce vai continuar crescendo e deve representar quase 22% do total de compras em 2024, conforme a linha azul do gráfico à direita abaixo.
A popularização do e-commerce nas várias regiões do mundo em 2019 e 2020 fica evidente nos gráficos abaixo, onde a América Latina liderou tal tendência com 36,7% de crescimento em 2020 vs 2019, seguida pela América do Norte com 31,8%. A China cresceu 26,4% (e já havia liderado em 2019, com 25%).
Um recente estudo publicado pela FGV ilustra e reforça o bom momento do e-commerce no Brasil, sugerindo que 1/5 das vendas totais do varejo já são realizadas pós canais digitais, embora os números obviamente tenham variação entre os setores, conforme a tabela abaixo:
Vemos várias empresas vencedoras neste cenário de crescimento e migração para o varejo online, e são empresas que integram (ou já integraram) o portfólio do Newton Tech Fund:
AMAZON - A Amazon é a empresa referência quando falamos de marketplace e varejo digital. Começou com ambições mais limitadas nos anos 90 vendendo livros on-line, mas rapidamente percebeu que poderia vender qualquer coisa nas “prateleiras infinitas” da sua loja virtual... a qualquer hora do dia, e ainda aprendendo e analisando o perfil e comportamento dos seus clientes, o que lhe garantia oferecer ofertas “taylor made” baseadas nos prováveis interesses desses clientes. Seus maiores competidores, como Wal-mart, Sears, Barnes & Nobles, para citar alguns, esbarram nas barreiras do varejo físico, com limitação de SKUs, altos custos da estrutura física (lojas, força de vendas, estoque), e a falta de competitividade no quesito “conveniência” que a compra online oferece. Soma-se a isso o processo de logística que a Amazon desenvolveu ao longo do processo, entregando rapidamente os itens após uma experiência de compra fácil e agradável. Aliás, rapidez na entrega é o fator mais importante que faz alguém confirmar ou cancelar uma compra, e a Amazon aprendeu (e aperfeiçoou) isso bem rápido. Com a popularização da internet e dos smartphones, comprar ficou ainda mais fácil e conveniente, e a Amazon deslanchou cada vez mais. Embora boa parte do que ela venda seja gerenciando estoque próprio, a Amazon abriu sua plataforma para 3ºs, que pagam por essa inteligência de mercado e de conhecimento dos hábitos dos consumidores. No fim do 2º tri de 2021, as vendas de 3ºs já representam quase 22% da receita consolidada da Amazon. Mas a Amazon não parou por aí. Na verdade, a Amazon é incansável na arte de revolucionar. E abriu várias novas frentes de negócios, sempre buscando recorrência de receitas e fidelização de clientes. Em 2009, criou a AWS – Amazon Web Services, que é hoje a maior provedora de SaaS (Software as a Service) do Mundo, servindo uma enormidade de clientes corporativos no manuseio de suas operações e dados, e suportando o crescente movimento comercial na sua plataforma. A Amazon passou a oferecer o pacote “prime”, que garantia aos assinantes uma programação completa de entretenimento on-line (vídeo, música e jogos), além de promoções nas compras e privilégios na entrega. A Amazon aventurou-se no segmento de hardware, criando a Alexa (entre outros smart devices), que passou a ser uma assistente virtual de tarefas do cotidiano para milhões de americanos. Aquisições foram muitas ao longo do processo, como a rede Whole Foods, ou a farmacêutica Pillpack, ou a Zoox (tecnologia de veículos autônomos, que pode ameaçar o Uber em poucos anos), e mais recentemente a MGM Studios. A Amazon tem mais de USD 70 bilhões em caixa, o que lhe garante uma musculatura incrível para enfrentar turbulências de mercado.
TENCENT (JD.com) – A Tencent é um dos maiores e mais poderosos conglomerados chineses, com participação de liderança em mídias sociais, jogos on-line, e-commerce e meios de pagamento. No caso do e-commerce, a Tencent controla a JD.com, que é líder no mercado chinês em termos de receitas. A JD.com vem fazendo parcerias importantes ao longo da sua jornada, entre as quais a parceria com Wal-Mart na China em 2016 (focando no formato do Sam 's Club), e também com o Google a partir de 2018, com ações de marketing conjuntas. Hoje, a JD.com tem mais de 400 milhões de usuários ativos, que geram um ticket anual médio de compras de cerca de USD 60, versus USD 30 para o Taobao (do Alibaba) e apenas USD 6 para o Pindoduo. Essa vantagem no ticket médio para a JD.com deve-se ao seu foco em servir cidades maiores, que tem um poder aquisitivo maior. Outro ponto relevante a ser destacado é o tamanho do mercado de varejo na China, que é estimado hoje pela consultoria eMarketer em quase USD 5,1 trilhões versus USD 4,9 trilhões nos EUA... Ou seja, pela 1ª vez na história, a China pode ter superado os EUA em volume de vendas do varejo... e tal tendência deve se consolidar daqui pra frente. Isso sustentava uma visão positiva que carregávamos de China e de seus players principais até recentemente, a qual ficou bastante arranhada com decisões agressivas do Partido Comunista Chinês não apenas limitando o poder das Big Techs chinesas, mas atrapalhando o normal funcionamento de parte de suas operações. Isso nos fez repensar nossa estratégia de China e zeramos nossas posições por lá.
ALIBABA – Apesar de termos saído de China, o país é inegavelmente a força motriz no crescimento do e-commerce global, com muito destaque também ao Alibaba, um dos mais poderosos conglomerados chineses, com atuação destacada de liderança em marketplace de terceiros. O Alibaba opera com várias plataformas de e-commerce, focando tanto em B2B, B2C e C2C. O maior marketplace da China (com foco em B2C e C2C) é o Taobao (em chinês, “procurar por tesouro”), que é uma plataforma gratuita para os merchants, sendo que a receita vem de publicidade e “keyword bidding”, além de análises Big Data detalhando o comportamento dos consumidores. Outro marketplace de grande relevância no escopo do Alibaba é o T Mall , no caso, a maior Plataforma online de venda de 3ºs voltada para grandes marcas e lojas. Taobao e Tmall geram hoje cerca de 65% da receita total da holding. Vale ressaltar que o Alibaba não tem estoque, apenas oferecendo toda a estrutura (inclusive logística) e inteligência aos vendedores. O Alibaba ainda oferece uma enorme gama de serviços, com destaque ao Ali Health ( venda de remédios/cosméticos), o Aliexpress ( Plataforma de ecommerce para o resto do mundo -- e bastante popular no Brasil), e o Lazada (Plataforma e-commerce no Sudeste asiatico, servindo Malásia, Vietnã, Filipinas, Singapura e Tailândia, que também tem mostrado um crescimento muito forte). O Alibaba é um das acionistas do Ant Financial, que desenvolveu a plataforma de pagamento instantâneo AliPay. O Ant Financial estava na iminência de fazer o maior IPO de todos os tempos no fim de 2020, mas o Governo chinês adiou o IPO porque vem trabalhando numa maior regulamentação para serviços financeiros, e que rapidamente escalonou para a intervenção nociva que mencionamos acima, afetando operações de e-commerce, gaming, serviços financeiros. Entre os vários outros serviços oferecidos pelo Alibaba, destacamos soluções largamente já desenvolvidas pela Amazon, como cloud computing (Ali Cloud), entretenimento e conteúdo on-line, todos estes setores em franco crescimento, e que devem se beneficiar com a gradual recuperação econômica na China.
SHOPIFY – E todo esse crescimento do e-commerce e essa migração irreversível do varejo físico para o varejo on-line acabou também criando novas empresas vencedoras, que de diferentes maneiras, surfaram maravilhosamente bem essa tendência. Uma destas empresas é a SHOPIFY, que simplificadamente, ajuda qualquer vendedor a montar sua loja virtual de maneira fácil, rápida e eficiente, oferecendo também soluções diversas de gestão financeira, controle de caixa e estoque, pós venda, entre outros. O Shopify abriu sua plataforma a profissionais que desenvolvem APIs que facilitam e enriquecem todo esse processo de criação da loja virtual e todas as etapas de vendas. São mais de 30,000 especialistas (web designers, fotógrafos, agências) que já criaram mais de 4,600 APIs, tornando a experiência de construir sua loja virtual na Shopify uma experiência única e agradável. Esta relação simbiótica de terceiros com a Shopify vem sendo construída ao longo de vários anos, e é um diferencial importante. Afinal, o sucesso de um é também o sucesso do outro. Entre os principais serviços financeiros oferecidos aos lojistas, destacamos a concessão de crédito e facilitação de vendas através do ShopPay. Tal combinação tem levado a um consistente crescimento de receitas que deve gradualmente consolidar sua (já positiva) geração operacional de caixa. Vemos Shopify muito bem posicionada, investindo fortemente em R&D, com foco total no seu core business de ser uma plataforma de e-commerce “one-stop shop”, oferecendo aos seus clientes todas as ferramentas necessárias para a migração do varejo físico para o varejo on-line. Vemos com muita clareza sua trajetória ao longo do seu “Roadmap” com lançamentos de novos recursos e enorme aceitação dos seus clientes. Presente em mais de 175 países (inclusive China), a empresa tem um business altamente escalável, baseado em cloud computing, impactando várias cadeias de valor, com forte apelo nas redes sociais e boa recorrência de receitas (41% da receita vem de mensalidades, sugerindo previsibilidade na geração de caixa).
MERCADO LIVRE – E falando do sucesso e popularização do e-commerce, no Brasil destacamos o Mercado Livre, hoje muito conhecido de todos os brasileiros. A empresa nasceu como uma plataforma de e-commerce de terceiros (originalmente na Argentina, mas com rápida expansão para o Brasil), beneficiando-se fortemente pela expansão do comércio eletrônico na região. O Mercado Livre cresceu muito e consolidou seu posicionamento líder como um marketplace de 3ºs, e hoje já oferece uma gama de serviços complementares, incluindo logística e serviços financeiros (como crédito, antecipação de recebíveis, conta corrente e meios de pagamento). Desde 2017 até hoje, o Mercado Livre (através da sua fintech Mercado Pago) já superou R$4 bilhões em empréstimos a pequenos comerciantes que não tem acesso a crédito nos bancos. E recentemente o Mercado Pago recebeu autorização do BC para operar como instituição financeira, o que deve acarretar numa expansão deste portfólio e novas fontes de financiamento. Serviços financeiros são bastante rentáveis e vem ganhando relevância na composição da receita. Isso mostra como o modelo de negócio do Mercado Livre impacta várias cadeias de valor, não somente no varejo, mas no setor financeiro. Outro ponto que nos faz gostar de Mercado Livre é seu foco em logística, e a empresa acabou de anunciar a abertura de mais cinco centros de distribuição de produtos pelo Brasil (somados a 19 já existentes). Esse hub de distribuição vai garantir entregas mais rápidas e eficientes para todo o Brasil (um dos critérios prioritários na decisão de compra do consumidor). Após um 2019 com foco na expansão de market share e popularização dos serviços, o foco em 2020 voltou para uma melhor lucratividade, que tende a melhorar gradualmente nos próximos trimestres. O mercado capturou bem essa tendência e hoje Mercado Livre já figura entre as empresas mais valiosas do Brasil.
ETSY – trata-se de uma plataforma de e-commerce com foco em peças artesanais, antiquário, instrumentos musicais (através do site Reverb). Oferece uma série de serviços adicionais aos vendedores, como suporte de vendas, campanhas de marketing on-line e off-line, ajuda com logística, plataforma de pagamentos. A Etsy implementa uma filosofia bastante interessante, de que “embora automação e comoditização são parte da vida moderna, a criatividade humana não pode ser automatizada e as conexões humanas não podem ser comoditizadas...." É esta a essência que difere a Etsy de outras plataformas de e-commerce, e tal tendência fica clara quando clientes vêm para a Etsy pela exclusividade do que encontram para comprar. Numa pesquisa de 2019, 88% dos clientes afirmaram que a Etsy tem itens que não se encontram em outro lugar. A empresa está presente em mais de 200 países, e recentemente comprou o marketplace ELO7 no Brasil. A Esty também vem ensaiando seus passos nos serviços financeiros (com o Etsy Pay), por ora facilitando o processo de check-out, mas com todo o jeito de que mais serviços serão ofertados com o tempo.
Com toda a popularização dos marketplaces e compras online, outro setor que continua em rápida expansão é o setor de meios de pagamentos, com empresas líderes tais como Paypal, Square, Stone, Pagseguro, para citar algumas. Trata-se de um setor que também gostamos muito e temos algumas destas empresas no nosso portfólio. Vamos explorar este tema em artigos futuros no blog.
F = ma
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