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  • Foto do escritorNatan Epstein

Data driven na essência: Tesla, o software sobre rodas

Atualizado: 25 de ago. de 2021

A empresa foi fundada em 2003 com o propósito de conceber um carro esportivo elétrico. O primeiro modelo da Tesla, o Roadster, foi lançado em 2008. O recorde de quilometragem/recarga, 394 km à época, gerou um barulho grande em volta dessa nova empresa com investidores de peso, incluindo membros da PayPal mafia. Os resultados de basicamente todos os testes adicionais de performance eram comparáveis aos carros movidos à gasolina - velocidade máxima, aceleração e eficiência. Com os fundadores saindo da linha de frente por volta de 2008, Elon Musk saiu do Conselho para assumir como CEO. IPO de peso, desenvolvimento de novos produtos, entrada em mercados que não só o automobilístico, embates judiciais com a SEC referente à comportamentos das lideranças, escândalos internos da empresa - história pra contar da Tesla não falta. Mas foquemos na nossa trajetória com o papel e nosso atual posicionamento.

Uma das tarefas mais difíceis que temos, no Newton, é tentar entender o que já está incluído no preço de um ativo, e precificar o futuro; se ainda existe algum upside que podemos explorar, ou se o Mercado já incluiu no preço todo ganho ligado à evolução tecnológica da empresa. No caso da Tesla essa tarefa se mostrou ainda mais difícil por termos que entender o que, de fato, a empresa faz: a Tesla é uma empresa automotiva ou de baterias? A “revolução” da empresa está no processo fabril (muito mais eficiente que aquele visto em Ford ou GM, por exemplo), ou no fato dos seus carros terem menos componentes móveis e, portanto, serem mais eficientes?


Se a resposta fosse que a empresa simplesmente fabrica carros de forma mais eficiente, nós não olharemos para a empresa: não é nossa filosofia comprar uma empresa porque o seu processo produtivo é “apenas melhor”. Se fosse apenas a questão da inovação ligada à bateria, seria necessário avaliarmos quão revolucionária é a tecnologia, para entender se existe algo de inovador, ou se é apenas uma melhor aplicação de algo já existente.


O Oceano Azul da Tesla


É verdade que a empresa se beneficiou pela demanda dos investidores em achar algum valor em um setor há muito esquecido pelo mercado. A Tesla se beneficiou de estar em um setor repleto de ineficiências e, se quisermos ir mais longe, uma aparente incompetência (ou incapacidade, quem poderá dizer?) por parte dos seus concorrentes. A empresa apresenta uma vantagem competitiva tão grande que vemos certos absurdos acontecendo: no final do ano passado, por exemplo, a General Motors, uma das maiores montadoras do mundo anunciou uma parceria estratégica com uma empresa pré-operacional chamada Nicola (que dizia possuir um revolucionário caminhão elétrico, movido a hidrogênio). A GM pagaria ($2 bilhões!) por uma participação de 11% na Nicola e ajudaria a empresa na construção e implementação do projeto. O “problema” (se podemos chamar assim) é que não apenas a Nicola não possui um protótipo operacional, como surgiram várias denúncias de fraude a respeito do CEO e fundador da empresa, que iam desde a sua experiência no setor (e currículo em geral) até a respeito do real status operacional da empresa: um vídeo no qual a empresa mostra um caminhão dirigindo por uma empresa se mostrou uma fraude, ao descobrir que o caminhão havia sido colocado no alto de uma lomba, e literalmente empurrado ladeira abaixo. Um fiasco que derrubaria qualquer executivo de uma empresa séria (afinal, não é todo dia que se pode rasgar $2 bilhões...) mas que no setor automotivo foi visto como um dia qualquer.


Não podemos nunca, entretanto, tirar o mérito da empresa quando se fala em eficiência: o número de componentes mecânicos nos carros elétricos é significativamente inferior àquele visto nos carros de combustão interna (apenas 30 componentes, contra mais de 2000 nos carros atuais). Isso se traduz em menor desgaste e manutenção necessária, reduzindo as chances de problemas nos carros. Como o nosso amigo José Augusto diz: “tu não levas o liquidificador na assistência técnica a cada seis meses”.

De todas as empresas do setor de tecnologia, excluindo as chamadas “Big Techs”, a Tesla é certamente a mais conhecida , então farei apenas uma descrição rápida da empresa. A Tesla, hoje, é dividida em três principais partes: a divisão automobilística, na qual estão a parte de OEM (produção) e R&D de novas tecnologias ligadas à baterias e motores, a parte de Energia, da qual faz parte a SolarCity, e uma divisão de “serviços e outros”.

A divisão automotiva é a maior e mais visível da empresa, responsável pelos carros elétricos e pelas suas incríveis baterias, com autonomia de mais de 300 km, e vida útil superior a 500 mil km. Os analistas de equity costumam focar praticamente toda a análise da empresa nesse setor. Dados como “EV/carro” ou “margem bruta/carro” são comuns nos relatórios de sell side. Olhando puramente sob esse prisma, a ação parece, de fato, bastante cara.


Como podemos ver, mesmo que a Tesla dobrasse a sua produção em 2021 (algo que não ocorrerá, dado que só existem duas novas plantas previstas para entrarem em operação esse ano, de Berlin e Texas), os múltiplos apresentados ainda seriam bastante superiores àqueles dos concorrentes. Uma parte dessa diferença de valor (Tesla vs Concorrentes) pode ser explicada pela expectativa que a empresa alcançará o chamado Full Self-Driving (piloto automático) de forma estável já a partir de 2021. Fazendo uma revisão rápida de conceitos, a tecnologia do piloto automático nos carros é dividida em seis fases, sendo que a partir da quarta fase já é possível funcionar sem a interação humana. O serviço tem um custo de ~$ 8 mil (pago uma vez, na compra), e representa quase 100% de margem para a empresa. Também seria possível à empresa ter uma frota de carros autônomos compartilhados, entrando em um mercado disputado por empresas como Uber, Lyft e Táxis convencionais; seja diretamente, seja fornecendo veículos para outros operarem (um mercado superior a US$50 bilhões, hoje). O aspecto que achamos mais interessante, referente ao FSD, é que a Tesla já iniciou estudos para disponibilizar o software para os concorrentes. É justamente nesse ponto que enxergamos o maior valor da empresa, mas falaremos mais disso adiante.




Existe, ainda, outra área dentro da divisão automotiva da empresa, que poderiam explicar o alto múltiplo negociado pela ação: a área de baterias. Hoje, as baterias usadas nos Teslas custam, em média, $12,5 mil por carro; isso corresponde a 30% do preço final de um Model 3, por exemplo. No Final de 2019, a Tesla adquiriu uma empresa que pode ser capaz de mudar significativamente esses custos: a Maxwell Technologies havia iniciado testes com um formato de armazenamento de energia que, em teoria, poderia cortar o custo de produção de baterias em até 20%, além de aumentar significativamente a velocidade de recargas. Durante as últimas apresentações de resultado, a empresa afirmou que, caso fosse possível produzir um volume de baterias que excedesse a sua demanda anual, poderia vender o excedente para outras montadoras, o que geraria uma nova frente de receita. Existe ainda muito espaço para crescimento: cálculos realizados pelo Morgan Stanley prevêem que o custo total para a troca de veículos movidos a combustão interna para veículos elétricos, até 2050, deve ser de $21,6 trilhões, sendo que cerca de $10 trilhões apenas em baterias. Para os mais otimistas existe, portanto, espaço para a empresa crescer ainda mais em valor.


As outras duas divisões da Tesla são aquelas ligadas à SolarCity, responsáveis pela parte de manutenção e leasing. A divisão de energia faz a instalação e manutenção de placas de energia solar ao redor do mundo, cobrando dos clientes um fee referente ao uso da tecnologia e da energia gerada. Apesar de ser um business reconhecidamente secundário dentro do balanço (menos de 10% da Receita), não é sem seus atrativos: a empresa faz a gestão do consumo de energia dos seus clientes, “comprando e vendendo” energia conforme a demanda de cada um. Esse sistema, chamado de “Autobidder” permitirá à empresa utilizar a própria rede para comercializar energia, e funciona mesmo naqueles locais que não possuem as placas fotovoltaicas da empresa.

Verdadeiramente data driven: como a Tesla desponta na corrida pelo “novo petróleo”


Listamos acima uma série de oportunidades para a empresa que passam, basicamente, por melhorar e dominar mercados nos quais ela já atua. Mas se fosse tão simples quanto expandir a atuação, ou ganhar market share, não estaríamos tão interessados na empresa. A inovação em termos de bateria, ou no processo produtivo podem até ter sido os motivos que levaram a empresa aos primeiros $500 bilhões em valor de mercado, mas enxergamos algo que pode ser a são a razão para que a empresa valha 2 ou 3x mais que hoje. A conclusão a que chegamos (e que nos fez adicionar uma posição pequena no portfólio) é que o valor da Tesla, mais do que em carros, novos processos de fabricação ou baterias, está nos negócios permitidos pela construção de uma nova base de dados, extremamente relevante, mas ainda não digitalizada em escala pelas Big Techs.

Ao licenciar o software para outras montadoras, ou disponibilizar o Autobidder para lugares nos quais ela não possui placas fotovoltaicas instaladas, a Tesla está, na verdade, multiplicando a sua capacidade de acumular e tratar dados exponencialmente. A Tesla terá informações sobre quais lugares cada usuário frequenta, com quem se encontra, onde mora e trabalha; todas informações voluntárias pelos seus usuários. Quantos anos o Google levou, para ser capaz de capturar essa quantidade de dados? Não é possível termos certeza de quanto (e quais) dados estão sendo coletados, mas um usuário beta do serviço de piloto automático escreveu que o seu carro enviava 4 GB de dados à empresa por dia. Para se ter uma ideia de comparação: quando um repórter do “The Guardian” solicitou ao Google o histórico de dados que a empresa possui dele, em 2018, recebeu um arquivo de 5,5 GB. Já o Facebook enviou um arquivo de 600 mega. É claro que nem todos os dados coletados pela Tesla dizem respeito ao usuário (na verdade, deve ser uma pequena minoria, considerando que o resto é relativo à performance do carro). Dentro do nosso modelo TFMP, hoje temos marcações “negativas” referentes à questões regulatórias no Google e Facebook. Mas talvez, o grande acumulador de dados, no futuro, seja o nosso carro.

Outro outlet de dados que a Tesla começa a coletar diz respeito ao seu projeto de energia: considerando que toda a rede de geração está ligada à Tesla, qual a quantidade de dados que a empresa está absorvendo, referente a hábitos de consumo e demanda dos seus clientes? O mercado de comercialização de energia movimenta $1,4 trilhões por ano, apenas nos EUA. Uma empresa que sabe a hora de maior e de menor consumo de energia, bem como é capaz de prever a ciclicidade de demanda dos seus usuários teria uma vantagem única em um mercado extremamente ineficiente. Em 2020 a Tesla obteve uma licença para operar o mercado de energia australiano, o que indica os próximos passos para a divisão de energia; caso a experiência seja bem sucedida, tem o potencial de transformar a empresa na maior comercializadora de energia do mundo.

A Tesla pode ter começado como uma montadora, mas enxergamos que o endgame dela é alcançar (e porque não superar) o Google. Através de uma estratégia análoga de oferecer serviços essenciais - no caso do Google, mecanismo de busca e comunicação – no caso da Tesla, energia e mobilidade – ambas as empresas angariam dados com intenção de aplicar bases tecnológicas a novas verticais de negócio. O caráter disruptivo nessa estratégia da Tesla é que além de reunir dados sobre consumo energético e hábitos de locomoção de pessoas, a coleta de informações se expande também aos equipamentos, entendendo energia não só como fonte básica ao funcionamento de máquinas, mas sim como forma de conexão de informações. Esse é um diferencial cujo impacto ainda não é possível tangibilizar, mas é o que enxergamos de mais valioso no roadmap empresa, numa visão de construção de longo prazo.

Como já foi dito em outros momentos, o nosso trabalho vai além de avaliar a tecnologia apresentada e o mercado potencial de uma empresa. Nós também consideramos aspectos de RH nas empresas que investimos, e é claro que a Tesla apresenta um dos piores índices de todo o nosso universo de cobertura. A enorme (para não dizer total) dependência de uma pessoa chave é um grande ponto negativo na nossa análise, além aspectos como denúncias frequentes de abusos praticados pela direção da empresa e uma limitada relação com os stakeholders contribuem para a nota baixa.


Tesla segue uma das ações mais quentes do mercado; tanto pelas perspectivas de longo prazo, quanto pelos constantes movimentos polêmicos (investimento em bitcoin, mudanças bruscas de pricing, exposição da liderança).


Entramos na ação no final de 2020, vendendo a totalidade da nossa posição no final de fevereiro, quando o nosso modelo proprietário, o TFMP, apontou que a ação estava excessivamente cara frente a peers de empresas tech em estágio similar de amadurecimento, com recente apresentação de primeiros quarters com resultados positivos de geração de caixa (cluster de empresas que chamamos de J-Curve Strugglers). É importante notar que o fato de não termos a ação no portfólio, no momento em que esse texto é publicado, não significa que não voltaremos a colocar a ação na carteira. É muito provável que Tesla volte, em breve, a depender da evolução de seu Entreprise Value e, especialmente, dos resultados do próximo trimestre frente a evolução da empresa em sua curva-J.

Existem alguns triggers fundamentalistas, porém, que nos fariam voltar e aumentar ainda mais exposição no ativo, como um maior foco no software, ao invés de hardware (dentro do call de ver a empresa focar em dados ao invés de carros) e/ou uma melhor estrutura de recursos humanos. Seguimos atentos a eles.


F=ma

 

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