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  • Foto do escritorGustavo Nolla

Em terra de COVID, quem tem chip é rei

Atualizado: 9 de fev. de 2022

Foi mais ou menos assim que Elon Musk abriu a conferência de resultados de 2021 da 5° maior empresa listada na NASDAQ – a bolsa da tecnologia americana. Num mercado severamente impactado pela falta de chips e problemas de supply chain, a Tesla se sobressai com um crescimento de quase 90% no volume de carros entregues, comparando com 2020. O número impressiona, já que empresas como a Volkswagen e Toyota – empresas centenárias e incumbentes da Tesla no mercado de veículos eletrificados (VEs), pelo menos no papel – alçaram crescimentos consideravelmente menores, frustrando investidores com repetidos fracassos em bater as próprias projeções de crescimento no mercado de elétricos.


Na nossa visão, o case da Tesla personifica com maestria um critério de investimento que levamos como motto no Newton: a vocação tecnológica de uma empresa, o que chamamos de tech as a core. Enquanto empresas muito tradicionais como Volkswagen, GM e Ford atravessaram uma crise muito acentuada de falta de chips com severas quedas na capacidade de produção, enxergamos que a Tesla, que possui projetos mais ágeis e modernos, aliado a um P&D mais ativo, foi capaz de refazer seus componentes pensando em redesenhar cadeias de suprimentos complexas em poucos meses, um drible na crise de chips digno de aplausos. De fato, a Tesla não saiu ilesa, mas ainda sim sua vocação tecnológica criou oportunidade num setor com alta dependência na própria cadeia de suprimentos.


Gráfico do crescimento do número de unidades vendidas mundialmente dos últimos 12 meses. Dados do InsideEVs, acessado em 01/02/2022.


Outro aspecto confluente a esse alinhamento é o diferencial de produto criado pela empresa, em grande parte materializado no software que embarca os modelos S, 3, X e Y – sexy, para fazer valer o trocadilho. Vale lembrar que uma das grandes vitrines da empresa tem sido o pioneirismo na adoção da direção autônoma – algo que colocou a empresa no centro das discussões sobre a regulação de um setor comercialmente desbravado por ela mesma. O FSD (full self driving), como a empresa costuma se referir, é acompanhado de perto pelo mercado – que antecipa um aumento de margem por parte da empresa na transição para um modelo de receita também baseado em subscription. Esse tema fica cada vez mais quente com a visão de uma mobilidade não mais baseada na compra/posse de um carro, mas sim na utilização do mesmo como um serviço. Vale lembrar que a empresa iniciou a cobrança mensal para ativação do FSD em julho do ano passado.


Tudo isso contribui para dizer que o case de Tesla é muito bonito no papel. O que acontece no pano de fundo do buyside, no entanto, já não é o mesmo mar de rosas que comentamos anteriormente.


Enquanto o faturamento quase dobrou com uma margem bruta que cresceu 28% em relação a 2020, as ações da empresa acumulam uma alta de mais de 600% no mesmo período. São números impressionantes, mas que estão apenas acima do que o mercado espera que a empresa cresça para justificar o atual valuation de quase 900 bilhões de dólares. Na semana passada, o CEO da empresa já adiantou que o cenário para 2022 deve continuar desafiador, com o impacto da crise de chips ainda evidente. Na mesma apresentação de resultados da última semana, no seu guidance – jargão para o número mágico de quanto espera crescer para 2022 – a Tesla reitera que deverá sustentar um crescimento de mais de 50% no número de veículos vendidos até o fim do ano, o que elevaria – esperançosamente – o número para quase 1,5 milhão de unidades. Como temos visto recorrentemente no escrutínio dos earning seasons, qualquer número abaixo desse mesmo guidance não será bem digerido pelo mercado.


Gráfico do consenso de mercado para a receita de tesla (linha tracejada) versus a receita reportada (coluna azul). Dados do Seeking Alpha obtidos em 01/02/2022.


Gráfico do consenso de mercado para o preço de Tesla (área laranja) versus a cotação da empresa (linha azul). Dados do Seeking Alpha obtidos em 01/02/2022.


Além do desafio de curto prazo, enxergamos uma grande assimetria de preço que usa de premissa um crescimento cavalar para a próxima década que depende não só da venda de veículos – mas também da capacidade de penetração e monetização do mercado de veículos autônomos e dos lançamentos pendentes, principalmente no segmento de utilitários. Para o investidor que busca upside ausente de grandes turbulências, certamente não encontrará na Tesla um motivo para dormir em paz. A governança, sob as rédeas de Elon Musk, está sempre a um tweet de distância de ser volatilizada pela exposição a alguma criptomoeda, pelo rumor de ser vendida ou mesmo pela criação dos exterminadores do futuro.


O ponto é que não estamos completamente céticos com essa capacidade de entrega – afinal, a empresa tem consistentemente surpreendido o mercado com seu audacioso plano de crescimento – diria que estamos cautelosamente atentos aos próximos passos dessa gigante de tecnologia. Vale lembrar que sua participação no Nasdaq 100 (quase 4% do índice), a torna grande demais para ser ignorada. Cara ou barata, assim como acontece com as FAAMGs, a letra T vem para ser um outro paradigma na gestão de portfólio.


F=ma

 


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