Nos últimos 30 dias, a Bolsa brasileira passou por um relativo momento de tranquilidade, com investidores animados com o impacto positivo da alta das commodities para a economia local e no câmbio, com alta de 5,69% no período no IBOVESPA. Na contramão de tudo isso, a Infracommerce (IFCM3), uma das mais promissoras empresas de tecnologia para e-commerce que fizeram IPO em 2021 sofreu uma queda de 39,09% no mesmo período, quando não houve divulgações de resultados e nenhuma notícia específica sobre o seu mercado. Porém, o que derrubou o papel foram notícias no campo da Governança, um tema cada vez mais em voga dentro das empresas, mais ainda distante do checklist de análise dos investidores. No momento, o Newton não possui investimentos na Infracommerce, mas por ser uma empresa da nossa cobertura, a análise do caso é importante para o nosso modelo.

Variações percentuais do Ibovespa e Infracommerce
Fonte: Koyfin. Dados de 14/03/2022 a 14/04/2022
O motivo principal da queda foi a divulgação de um novo Plano de Stock Options, que previa a distribuição de 5% de novas ações aos executivos, como incentivo e plano de retenção, natural para empresas de tecnologia de alto crescimento, que precisa trazer as mentes mais brilhantes para se manter competitiva. Olhando separadamente, este plano está dentro do padrão, porém no IPO a empresa já havia divulgado um plano de 13%, significativamente acima do padrão de mercado de empresas listadas. Soma-se a isso o fato de que o plano não está atrelado a nenhuma meta de performance, os acionistas estão vendo uma diluição muito elevada, e pior que isso, perderam confiança nos executivos, fundadores e no conselho da companhia.
Aqui encontramos um dos maiores desafios de se investir em empresas tech na Bolsa: a forte cultura de startup, tão positiva no aspecto de inovação e crescimento, acaba pecando no aspecto de governança com os sócios ainda gerindo a empresa como se ainda estivessem na garagem. Este fenômeno é global, e impacta até mesmo as gigantes de tecnologia, como Google e Facebook, onde os sócios fundadores ainda possuem o controle total do capital da empresa através de um sistema especial de votos, onde cada ação detida pelo founder possui maior direito de votar. No caso do Facebook, por exemplo, cada uma das ações detidas por Zuckerberg possui um poder de voto de 10 vezes das ações normais, dando o controle da empresa para ele, mesmo tendo apenas 29% da companhia.
Neste cenário, o Conselho de Administração é responsável pela governança e por separar o interesse do acionista da gestão do dia-dia, e proteger o minoritário. Segundo o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), o papel é do conselho deve ser:
“O Conselho de Administração é o órgão colegiado encarregado do processo de decisão de uma organização em relação ao seu direcionamento estratégico. Ele exerce o papel de guardião dos princípios, valores, objeto social e sistema de governança da organização, sendo seu principal componente.”
Dada a está importância, a composição do Conselho de Administração é um ponto importante da análise do Newton Tech Fund, sendo um dos critérios a avaliação de Pessoas no TFMP. Na nossa visão, o conselho tem papel de apoiar o founder no desenvolvimento da empresa, e proteger os acionistas minoritários de conflitos de interesse. Um conselho nota máxima no TFMP deve ter:
1) Um tamanho adequado de 6 a 10 membros, para evitar uma pulverização excessiva;
2) Ter membros com perfis complementares, sendo pelo menos um membro com os seguintes backgrounds: área tech, financeira, expertise setorial, que represente o perfil dos clientes da empresa, empreendedores, relações governamentais e representantes de fundos de VC;
3) Ter um perfil diverso em termos de gênero, raça e idade;
4) Não ter conflitos de interesse, ou relacionamento pessoal e familiar com os fundadores e principais executivos da companhia.
A barra é realmente alta, e de um total de quase 100 empresas analisadas, apenas 11 conseguiram nota máxima neste critério. Nas outras, a falta de diversidade, ou falta de um perfil de habilidade comprometeu a nota. Em outros casos, a falta de independência do conselho ou falta crítica nos aspectos de perfil, além de receber uma nota baixa, também se caracteriza como um Individual Risk da empresa, dentro da nossa análise de risco. Nestes casos, quando algum problema surge fruto deste risco mapeado, o Comitê de Investimentos do Newton toma a decisão de desinvestir o papel.
Enfrentamos exatamente este cenário na Activision Blizzard, que apesar de ser uma empresa brilhante operacionalmente recebeu nota baixíssima pela baixa diversidade e qualificação abaixo do esperado para uma empresa de seu porte. Adicionalmente, foram identificados falta de independência dos membros do conselho, com alguns deles tendo relação pessoal com o CEO, sendo colegas também em conselhos de Museus e clubes de golf. Um dos membros do conselho, está na posição desde 1997! Na prática, o CEO havia colocado no conselho seus amigos e pessoas que podia confiar.
Identificamos este risco e acompanhamos de perto as movimentações da empresa. Até que em junho de 2021, o tema governança veio à tona na Activision, com o Conselho (para a surpresa de zero pessoas...) aprovou um pacote de remuneração para o CEO incompatível com a realidade da empresa, e logo na sequência surgiram as primeiras denuncias de assédio moral e sexual, que posteriormente se viu que o Conselho e o CEO não tomaram as medidas adequadas. Sendo um risco mapeado, o Fundo tomou a decisão de vender o papel nos primeiros sinais de problema, e assistimos de fora o papel despencar de mais de US$ 100 para menos de US$ 60.
No caso da Infracommerce, o problema atual que tem derrubado o preço do papel também tem a mesma origem: governança. Tendo feito IPO em maio de 2021, depois de uma acessão meteórica, a empresa ainda carrega características de uma empresa de capital fechado ainda no ciclo de venture capital. O conselho de administração da Infracommerce é composto por 7 membros, dos quais 4 são representantes de investidores que ingressaram na companhia anos antes do IPO, portanto fizeram lucros extraordinários no passado. Dos outros 3 membros independentes, temos grandes executivos de corporações, mas são minoria e ainda apresentam ausência de pontos chaves, como perfil tech, visão financeira, expertise setorial e relações governamentais.
Na nossa visão, este é um conselho abaixo da média, sendo a empresa penalizada e pela falta de independência, se configuraria como um risco potencial, que se materializou este mês, e viu a empresa perder mais de 30% de valore de mercado. Movimentos como este reforçam nossa convicção na nossa metodologia proprietária TFMP, e mostram que cada um dos critérios é fundamental para a análise e avaliação de risco, e que para olhar uma tech company na bolsa não é suficiente avaliar apenas aspectos financeiros e mercadológicos, mas uma análise profunda é necessária. Esse é o nosso trabalho, e em TFMP we trust.
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