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THE OCTOPUS IN THE ROOM?

Foto do escritor: Gustavo NollaGustavo Nolla

Atualizado: 8 de jul. de 2022



Há cerca de 100 anos atrás, os Estados Unidos se engajava na quebra do monopólio de petróleo – uma herança da segunda revolução industrial que criou uma das maiores monopolistas da história do capitalismo: a Standard Oil. O processo culminou no fatiamento da empresa em outras 34 (algumas vivíssimas e que fazem parte do nosso dia a dia até hoje, como a Exxon Mobil, a Chevron e a BP). A pressão popular e o momento político propício desencadearam um forte movimento antimonopolista e moldaram a legislação até o presente.


Contrastando com hoje, o mercado de tecnologia vive uma situação completamente diferente – mas igualmente perigosa. Google, Amazon, Meta e Apple não são considerados monopólios per se – pelo menos não comparativamente. A Standard Oil chegou a deter 90% da produção de petróleo americana, enquanto a Amazon, hoje, controla 49% do e-commerce americano (contra 5% do varejo total). O Google, 42% do mercado de publicidade digital (22% de todo o mercado de publicidade). A Apple, 20% do mercado de smartphones. Ainda, a disrupção causada pelas big techs nos setores onde atua geralmente estão associadas a uma queda no preço de produtos e serviços – de modo que enquadrá-las como monopólios seria no mínimo criativo.


Na verdade, o olhar das entidades políticas e reguladores para essas empresas em especial vai além e diz respeito a uma série de preocupações profundas com privacidade de dados, disseminação de fake news e o impacto em concorrentes. Por mais que suas práticas não sejam monopolistas em si, o reinado das big techs pode afetar a concorrência de outro jeito.


COMPETIÇÃO ≠ COMPETITIVIDADE

Como gigantes que são em quase tudo que fazem, as FAAMGs estão estabelecidas no mercado como a força compradora dominante quando falamos em adquirir serviços ou empresas, know-how ou estabelecer contratos com fornecedores. Se somarmos as posições de caixa das empresas que compõem o S&P500, a Apple, Google, Microsoft, Amazon e Facebook representam, sozinhas, 25% do caixa do índice. Ir às compras é, além de uma oportunidade, um pepino regulamentar para essas empresas.

Maiores posições de caixa e investimentos do S&P500 em maio de 2022

Esse vento de popa que reúne “customer centricity” (ou, uma oferta imbatível de preços e serviços) junto de uma posição altamente privilegiada das techs configura o que os economistas – e, com mais ênfase, as Supremas Cortes e legisladores – chamam de monopsônio, que apesar de bastante distinto de um monopólio, atua com diversos mecanismos que minam a concorrência no mercado de forma similar.


Algumas práticas das techs já escancararam esse problema e atraíram a atenção desses órgãos. A Amazon, por exemplo, sofreu escrutínio por supostas práticas monopsonistas ao exigir paridade de preços de fornecedores, na qual a empresa usava um mecanismo contratual para aumentar taxas aos que não oferecessem o menor preço no seu marketplace. Quando o Google começou a oferecer avaliações de empresas e serviços locais para reservar viagens online, seu mecanismo de busca favoreceu suas próprias ofertas em detrimento dos então líderes do setor Yelp e TripAdvisor - sem necessariamente oferecer um serviço com maior qualidade ou menor custo. Aqui, cabe perguntar se as big techs estariam pagando barato perto do que teriam de pagar num mercado deveras competitivo - e se de fato a regulamentação atual gera o devido incentivo à inovação.


Choose wisely, Homer.

Se na virada do século XX a Standard Oil era considerada “the elephant in the room”, com seu peso descomunal sobre a extração, refino e distribuição do petróleo, as big techs se parecem mais como polvos – espalhando seus tentáculos por dezenas de unidades de negócio bastante distintas. A Amazon foi muito além de uma online retailer – só nos EUA, a empresa tem vinte e seis subsidiárias, variando desde software para corporações, entretenimento, videogames, produtos farmacêuticos até eletrônicos de consumo. A Alphabet, que controla o Google, detém outras trinta subsidiárias e noventa investidas, que vão desde biotech até veículos autônomos. Apesar do tamanho que tomaram, a estrutura única de RH, procurement e contabilidade dessas empresas também gera dúvidas ao reforçar o poder de barganha por meio do comportamento de monopsônio nas relações de trabalho, nos mercados financeiros e nas relações com fornecedores.


THE SILVER BULLET

A pilha de processos antitruste que têm como alvo as big techs e a recente má digestão política causada pelos atritos relacionados à liberdade de imprensa tornou o problema grande demais para ser ignorado. Numa coalisão política bipartidária inédita, diversos projetos de lei tomam forma no senado americano e podem marcar o começo de uma era regulada para as big techs.


O que antes era uma oportunidade de autorregulação para essas empresas (que em grande parte foi desperdiçada), agora toma um tom de ameaça em projetos como o American Competition and Choice Online Act, que visa proibir empresas como o Google, Apple e Amazon de sabotar a competição dentro das suas próprias plataformas nos Estados Unidos. Outros projetos são mais ambiciosos, como o Digital Advertising Act, que propõe que empresas de publicidade digital como Google e Facebook escolham entre atuar no buy ou no sell-side do negócio - nos dois, não mais.


Já o bloco Europeu foi além – aprovou no começo deste ano duas regulamentações voltadas às big techs no maior movimento de regulação digital dos últimos vinte anos. O DMA e o DSA, como são chamados, consolidam uma série de mecanismos que clareiam os parâmetros de livre concorrência digital no bloco. A Apple, por exemplo, será obrigada a oferecer a instalação de aplicativos de fora da sua App Store no iOS. O Google e a Amazon poderão ser impedidos de favorecer seus hardwares ou serviços nos seus motores de busca. Mas é importante notar que esses dois projetos impactam praticamente todas as plataformas relevantes que atuam na Europa, o que a legislação chama de “gatekeepers”. Alguns serviços que serão abrangidos pela legislação são óbvios: Whatsapp, Youtube, Amazon Prime e Google Play Store. Outros exemplos não tão óbvios são o Zoom, o AirBnb, o Uber e a Salesforce.


Posicionado em tecnologia ou não, o impacto da regulamentação endereça nada menos que 25% do market cap do S&P500 e não é algo que pode ser ignorado pelo investidor, ainda mais com uma recessão no radar. Na nossa visão, favorecer a competição e tornar nítidas as regras do jogo impede que haja excessos dos dois lados e assegura a confiabilidade de se investir no longo prazo. Não há bala de prata e nem fato novo: a inovação possibilitada pela tecnologia deixou de ser uma exclusividade de poucos para atingir toda a sociedade e é natural que haja embates - que, desde que construtivos, agregam. Apesar disso, acreditamos que a regulamentação terá um olhar cada vez mais ferrenho sobre os setores dominados pelas big techs e ser pego desprevenido não é uma boa opção. Do ponto de vista tecnológico, acreditamos que há oportunidade para agregar mais competitividade para novos entrantes, trazendo a bola ao centro no jogo da inovação e favorecendo aquilo que acreditamos ser o foco da nossa filosofia de investimentos.


F=ma


Gustavo Nolla

Analista Tech Equities

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